Decreto nº 6.830, de 27.04.2009
DOU de 28.04.2009
Regulamenta a Medida Provisória nº 458, de 10 de fevereiro 2009, para dispor sobre a regularização fundiária das áreas rurais situadas em terras da União arrecadadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, no âmbito da Amazônia Legal, definida pela Lei Complementar, nº 124, de 3 de janeiro de 2007, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Medida Provisória nº 458, de 10 de fevereiro de 2009,
Decreta:
Art. 1º Este Decreto regulamenta a Medida Provisória nº 458, de 10 de fevereiro de 2009, para dispor sobre a regularização fundiária das áreas rurais situadas em terras da União arrecadadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, no âmbito da Amazônia Legal, definida pela Lei Complementar, nº 124, de 3 de janeiro de 2007.
Art. 2º Para ser beneficiário da regularização fundiária prevista no art. 1º, o ocupante e seu cônjuge ou companheiro deverão atender aos requisitos dos arts. 5º e 6º da Medida Provisória nº 458, de 2009.
§ 1º O ocupante deverá, ainda, ter sua principal atividade econômica advinda da exploração do imóvel, sendo permitido ao cônjuge ou companheiro ter renda complementar oriunda de outra atividade econômica.
§ 2º Não poderá ser regularizada a ocupação na hipótese do cônjuge ou companheiro do requerente exercer cargo ou emprego público no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão ou nos órgãos estaduais de terras.
Art. 3º A regularização fundiária de ocupações incidentes em terras públicas rurais da União ocorrerá de acordo com o seguinte procedimento:
I - cadastramento das ocupações por município, conforme procedimento a ser definido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário;
II - georreferenciamento, após o cadastramento ou vistoria, dos perímetros das ocupações, nos termos do art. 8º da Medida Provisória nº 458, de 2009; e
III - formalização de processo administrativo previamente à titulação, instruído com os documentos e peças técnicas descritos nos incisos anteriores e aprovado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, a partir dos critérios previstos na Medida Provisória nº 458, de 2009, e nas demais normas aplicáveis a cada caso.
§ 1º O cadastramento será feito por meio de formulário de declaração preenchido e assinado pelo requerente, acompanhado de fotocópia de sua Carteira de Identidade e do Cadastro de Pessoas Físicas e de seu cônjuge ou companheiro, além de outros documentos a serem definidos pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário.
§ 2º O formulário de declaração deverá conter informações sobre os dados pessoais do ocupante e do cônjuge ou companheiro, área e localização do imóvel, tempo de ocupação direta ou de seus antecessores, atividade econômica desenvolvida no imóvel e complementar, declaração de não existência de conflito agrário ou fundiário e outras informações a serem definidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
§ 3º O cadastro e o georreferenciamento da área não implicarão reconhecimento do domínio.
§ 4º Os serviços de georreferenciamento poderão ser licitados, na modalidade de pregão, para fins de registro de preço.
§ 5º As peças técnicas previamente elaboradas pelo particular poderão ser recepcionadas, avaliadas e homologadas, caso atendam os requisitos normativos.
§ 6º Os serviços técnicos e os atos administrativos previstos neste artigo poderão ser praticados em parceria com os Estados e Municípios.
Art. 4º Identificada a existência de disputas em relação aos limites contíguos das ocupações, o órgão executor buscará acordo entre os ocupantes, em prol da eficiência e da celeridade do processo de regularização fundiária.
§ 1º Alcançado o acordo, os ocupantes assinarão declaração escrita concordando com os lindes a serem demarcados pelo georreferenciamento.
§ 2º Não sendo alcançado o acordo entre os lindeiros, a regularização das ocupações em conflito será suspensa para decisão administrativa do órgão executor da regularização fundiária, nos termos de regulamentação a ser expedida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Art. 5º Para áreas de até quatro módulos fiscais, os requisitos previstos nos arts. 5º e 6º da Medida Provisória nº 458, de 2009, serão verificados por meio das seguintes declarações do requerente e de seu cônjuge ou companheiro, sob as penas da lei:
I - de que não são proprietários de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional e não foram beneficiários de programa de reforma agrária ou de regularização fundiária rural;
II - de que exercem ocupação e exploração mansa, pacífica, direta ou por seus antecessores, anterior a 1º de dezembro de 2004;
III - de que o imóvel é utilizado para cultura efetiva;
IV - de que têm sua principal atividade econômica advinda da exploração do imóvel; e
V - de que não ocupam cargo ou emprego público que constitua impedimento à regularização, nos termos deste Decreto.
Parágrafo único. Nos casos previstos nos §§ 1º e 2º do art. 2º deste Decreto, as declarações constantes dos incisos IV e V serão apenas do requerente.
Art. 6º A regularização fundiária de ocupações incidentes em terras públicas rurais da União com área superior a quatro e até o limite de quinze módulos fiscais, não superior a mil e quinhentos hectares, obedecerá aos seguintes requisitos:
I - declaração firmada pelo requerente e seu cônjuge ou companheiro, sob as penas da lei, de que:
a) não é proprietário de outro imóvel rural em qualquer parte do território nacional;
b) sua principal atividade econômica advém da exploração do imóvel; e
c) não ocupa cargo ou emprego público que constitua impedimento à regularização, nos termos deste Decreto;
II - confecção de laudo de vistoria da ocupação, subscrita por profissional regularmente habilitado do Poder Executivo Federal ou por outro profissional habilitado em razão de convênio, acordo ou instrumento similar firmado com órgão ou entidade da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios;
e
III - apresentação de documentos, a serem definidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que comprovem o exercício de ocupação e exploração direta ou por seus antecessores, mansa e pacífica, anterior a 1º de dezembro de 2004.
Parágrafo único. Na impossibilidade de apresentação dos documentos a que se refere o inciso III, a verificação poderá ocorrer por meio de laudo de vistoria.
Art. 7º O Ministério do Desenvolvimento Agrário definirá as glebas a serem regularizadas após consulta à Secretaria do Patrimônio da União, à Fundação Nacional do Índio, ao Serviço Florestal Brasileiro e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
§ 1º O Ministério do Desenvolvimento Agrário oficiará os órgãos mencionados no caput, encaminhando arquivo eletrônico contendo a localização georreferenciada da gleba.
§ 2º Os órgãos consultados deverão se manifestar sobre eventual interesse na área, no prazo máximo de trinta dias, importando o silêncio na ausência de oposição à regularização.
§ 3º A manifestação dos órgãos deverá demonstrar a existência de interesse ou vínculo da área a ser regularizada com o desenvolvimento de suas atribuições, observadas suas respectivas competências.
§ 4º O Conselho de Defesa Nacional deverá ser consultado quando a regularização versar sobre áreas localizadas em faixa de fronteira, observado o prazo previsto no § 2º
§ 5º Ressalvada a oposição manifestada pelo Conselho de Defesa Nacional, havendo oposição dos órgãos consultados e persistindo o interesse do Ministério do Desenvolvimento Agrário na regularização fundiária da gleba, caberá ao Grupo Executivo, previsto no Decreto de 27 de abril de 2009, dirimir o conflito em torno da regularização.
Art. 8º Caso a gleba a ser regularizada abranja terrenos de marinha, marginais ou reservados, seus acrescidos ou outras áreas insuscetíveis de alienação não demarcadas, caberá à Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão delimitar a faixa da gleba que não será suscetível à alienação.
Art. 9º Para delimitação da faixa prevista no art. 8º, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão instituirá comissão composta por seus servidores.
§ 1º Poderão ser convidados para participar da comissão prevista no caput, os representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e de outros órgãos públicos envolvidos no processo de regularização fundiária.
§ 2º A faixa prevista no art. 8º será definida em cada uma das glebas e se estenderá até o limite de quinze metros, para as áreas localizadas em terrenos marginais, e trinta e três metros, para as áreas localizadas em terrenos de marinha, a partir da linha das cheias dos rios federais ou da linha de preamar máxima, conforme o caso.
§ 3º Para definição da faixa prevista no § 2º, deverão ser desconsiderados os aterros e acrescidos.
§ 4º A delimitação prevista no caput será elaborada a partir da planta e memorial descritivo georreferenciado da gleba a ser regularizada, que serão encaminhados à comissão pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Art. 10. As ocupações de áreas não inseridas na faixa prevista no art. 8º serão regularizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário por meio de alienação, observados os termos da Medida Provisória nº 458, de 2009, e o procedimento previsto neste Decreto.
Art. 11. A regularização das ocupações inseridas, total ou parcialmente, na faixa prevista no art. 8º será efetivada pela Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio da outorga de título de concessão de direito real de uso, nos termos da legislação específica.
Parágrafo único. O Ministério do Desenvolvimento Agrário fornecerá à Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão o cadastro dos ocupantes e a delimitação georreferenciada das ocupações a serem tituladas.
Art. 12. Os títulos de domínio e de concessão de direito real de uso serão expedidos:
I - em nome da mulher e do homem, obrigatoriamente, quando casados ou convivendo em regime de união estável;
II - em nome dos conviventes, havendo união homoafetiva; e
III - preferencialmente em nome da mulher, nos demais casos.
Art. 13. Os títulos de domínio ou de concessão de direito real de uso deverão conter cláusulas sob condição resolutiva pelo prazo de dez anos, que determinem:
I - a impossibilidade de negociação do título;
II - o aproveitamento racional e adequado da área titulada;
III - a utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente;
IV - a averbação da reserva legal e, quando for o caso, sua recuperação;
V - a identificação das áreas de preservação permanente para fins de preservação ou de recuperação, quando degradadas;
VI - a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e
VII - as condições e forma de pagamento.
§ 1º Os imóveis regularizados pelos títulos mencionados no caput não poderão ser objeto de nenhum direito real de garantia, salvo nas operações de crédito rural.
§ 2º Durante a eficácia das cláusulas resolutivas, será possível a sucessão legítima ou testamentária dos títulos.
§ 3º As áreas de preservação permanente e de reserva legal deverão ser identificadas pelo beneficiário junto a sistema eletrônico de identificação georreferenciada da propriedade rural, para fins de controle e monitoramento.
§ 4º Caso as áreas previstas no § 3º estejam degradadas, o beneficiário deverá apresentar ao órgão ambiental o plano para sua recuperação.
Art. 14. O descumprimento, pelo titulado, das condições resolutivas previstas no art. 13 implicará rescisão do título de domínio ou do termo de concessão de direito real de uso, com a conseqüente reversão da área em favor da União.
§ 1º O descumprimento da legislação ambiental em relação ao imóvel regularizado durante o prazo de vigência da cláusula resolutiva deverá ser declarado em processo administrativo que apurar a prática da infração ambiental.
§ 2º Concluído o processo administrativo de apuração da responsabilidade pela infração ambiental, o órgão competente comunicará o fato ao Ministério do Meio Ambiente, que representará ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
§ 3º A regularidade ambiental do imóvel, para fins de cumprimento das cláusulas resolutivas, será atestada por meio de certidão expedida pelos órgãos ambientais competentes.
§ 4º O Ministério do Desenvolvimento Agrário poderá celebrar acordos de cooperação com os órgãos de meio ambiente visando estabelecer mecanismos de comunicação de infrações ambientais.
§ 5º Identificada violação de cláusula resolutiva, o Ministério do Desenvolvimento Agrário instaurará procedimento administrativo destinado à declaração de reversão do imóvel ao patrimônio da União, notificando o interessado para apresentação de defesa no prazo de quinze dias.
§ 6º Na hipótese de reversão da área ocupada, o Ministério do Desenvolvimento Agrário notificará a Secretaria do Patrimônio da União e o INCRA para sua incorporação.
Art. 15. Serão gratuitas a alienação e a concessão de direito real de uso de áreas de até um módulo fiscal, desde que observados os demais requisitos previstos neste Decreto.
Art. 16. A fixação do valor a ser cobrado pela alienação ou concessão de direito real de uso terá como referência o valor mínimo da terra nua, estabelecido na planilha referencial de preços editada pelo INCRA.
§ 1º Para fins deste artigo, serão aplicados índices de adequação de preço sobre o valor de referência, a serem definidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, segundo os seguintes critérios:
I - para ancianidade serão considerados os qüinqüênios de ocupação;
II - para especificidades regionais serão considerados a localização e acesso de cada imóvel; e
III - para dimensão da área será considerada a classificação de pequena e média propriedade.
§ 2º Os índices a que se refere o § 1º poderão ser diferenciados para os imóveis acima de um e até quatro módulos fiscais.
§ 3º A concessão de direito real de uso onerosa terá seu preço fixado em, no máximo, sessenta por cento e, no mínimo, quarenta por cento do valor da terra nua estabelecido na planilha prevista no caput.
Art. 17. O valor do imóvel será pago pelo beneficiário da regularização fundiária em prestações atualizadas monetariamente e será resgatado em até vinte anos, com carência de três anos.
Parágrafo único. O pagamento deverá ser feito mediante Guia de Recolhimento da União em favor da pessoa jurídica alienante ou concedente.
Art. 18. O desconto previsto no § 1º do art. 16 da Medida Provisória nº 458, de 2009, será concedido da seguinte forma:
I - vinte por cento para pagamento à vista, para imóveis acima de um até quatro módulos fiscais; e
II - dez por cento para pagamento à vista, para imóveis acima de quatro e até quinze módulos fiscais, com área não superior a mil e quinhentos hectares.
Art. 19. O adimplemento de contrato firmado com o INCRA por ocupante originário, previsto no art. 18 da Medida Provisória nº 458, de 2009, somente alcançará as condições resolutivas permitidas pela legislação vigente.
§ 1º No caso de inadimplemento por falta de pagamento, o ocupante originário deverá pagar o saldo devedor obtido a partir do valor atualizado, constante no contrato, com o devido abatimento do montante amortizado.
§ 2º Quando não houver valor estipulado nos contratos firmados com o INCRA, a fixação do atual valor de mercado do imóvel se dará conforme dispõe o art. 16 deste Decreto.
§ 3º O saldo devedor será pago de forma parcelada, observado o prazo de três anos contados a partir de 11 de fevereiro de 2009, de maneira que a última parcela não seja posterior a 11 de fevereiro de 2012.
§ 4º Na ocorrência de ação judicial proposta pelo INCRA ou pelo ocupante originário, que verse sobre os contratos referidos no caput, a regularização deverá ser precedida de transação judicial entre as partes, sendo que cada uma deverá arcar com seus honorários e custas processuais.
§ 5º Findo o prazo de três anos sem o adimplemento das cláusulas estipuladas no contrato, a área será retomada com direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis.
Art. 20. No caso de títulos emitidos pelo INCRA, entre maio de 2008 e fevereiro de 2009, seus valores serão passíveis de enquadramento ao previsto nos arts. 15 e 16 deste Decreto, desde que requerido pelo interessado no prazo de um ano a partir da data de publicação deste Decreto.
§ 1º Nos casos de títulos emitidos em áreas de até um módulo fiscal, o beneficiário poderá requerer a gratuidade no prazo de um ano a partir da data de publicação deste Decreto.
§ 2º Até que seja deferido o enquadramento, o requerente deverá continuar efetuando o pagamento na forma estipulada originariamente no contrato.
Art. 21. A atualização monetária a que se refere este Decreto será efetivada a partir de índice a ser definido pelo INCRA.
Art. 22. Os acordos de cooperação técnica, convênios e outros instrumentos congêneres a serem firmados entre a União, Estados e Municípios poderão ter como objeto as atividades de georreferenciamento, cadastramento, titulação, entre outras ações necessárias à implementação da regularização fundiária na Amazônia Legal.
Art. 23. Os direitos decorrentes de título de domínio ou termo de concessão de direito real de uso expedido após 11 de fevereiro de 2009 somente poderão ser cedidos após expirado o prazo de dez anos previsto no art. 14 da Medida Provisória nº 458, de 2009.
Art. 24. São nulas todas as cessões de direitos a terceiros que envolvam contratos firmados entre o INCRA e o ocupante, efetivadas em desacordo com os prazos e restrições previstas nos respectivos instrumentos.
§ 1º A cessão de direitos mencionada no caput servirá somente para fins de comprovação da ocupação atual do imóvel pelo terceiro cessionário.
§ 2º O terceiro cessionário mencionado no § 1º somente poderá regularizar a área ocupada nos termos da Medida Provisória nº 458, de 2009.
§ 3º Os imóveis que não puderem ser regularizados na forma da Medida Provisória nº 458, de 2009, serão revertidos ao patrimônio da União.
Art. 25. O disposto neste Decreto não se aplica às alienações ou concessões de direito real de uso precedidas de processo licitatório.
Art. 26. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 27 de abril de 2009; 188º da Independência e 121º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
João Bernardo de Azevedo Bringel
Guilherme Cassel