MENSAGEM Nº 98 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993
Veta, parcialmente, o Projeto de Lei nº 65, de 1992 (nº 11/91, na Câmara dos
Deputados).
(DOU - 25/4/1993)
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos ternos do parágrafo 1º do artigo 66 da
Constituição Federal, decidi vetar parcialmente o Projeto de Lei nº 65, de 1992
(nº 11/91, na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre a regulamentação dos
dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo
Ill, Título VII, da Constituição Federal".
São os seguintes os dispositivos ora vetados:
Artigo 3º e seu § 1º
"Artigo 3º A União poderá desapropriar, nos termos desta Lei, imóveis de
propriedade de Estado, Município e Distrito Federal, bem como os de suas
entidades de administração indireta e os pertencentes às autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas federais.
§ 1º Será pressuposto do ato desapropriatório a autorização do Congresso
Nacional."
Razões do veto
Representam tais disposições um retrocesso em relação ao art. 2º, § 2º, do
Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e ao art. 22, parágrafo único, da
Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 (Estatuto da Terra). Nestes últimos se
exige autorização legislativa apenas para desapropriação de bens do domínio dos
Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, ao passo que os textos ora
vetados fazem depender de autorização do Congresso Nacional também a
desapropriação, pela União, de bens das entidades de administração indireta dos
Estados, Municípios e Distrito Federal e aqueles pertencentes às autarquias,
empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas federais.
Mais uma dificuldade para a implantação da reforma agrária, tais dispositivos
permitiriam às entidades acima arroladas manterem ociosos imóveis rurais
adequados para assentamento de agricultores. Se os imóveis dessas entidades
forem improdutivos ou não cumprirem a função social, ou, ainda, se não forem
pequenos ou médios, não há razão para que a União não os desaproprie e lhes dê
efetivo uso social, destino natural de tais imóveis, o que se compatibiliza
perfeitamente com o disposto no art. 13 e parágrafo único da proposição em
exame.
Contrários ao interesse público.
§ 2º do art. 3º
"§ 2º Os Estados e o Distrito Federal poderão receber delegação de competência
da União para desapropriar imóveis rurais, por interesse social, para fins de
Reforma Agrária."
Razões do veto
No caput do art. 184 da Constituição Federal acha-se estabelecida a competência
privativa da União para desapropriar imóvel rural, por interesse social, para
fins de reforma agrária, mediante pagamento em títulos da dívida agrária. Diz o
mesmo art. 184, em seu § 2º, estar a União autorizada a propor a ação de
desapropriação tão logo seja o imóvel, por decreto (do Presidente da República),
declarado de interesse social.
Assim, não há como delegar aos Estados e ao Distrito Federal a competência
privativa que a Carta Magna expressamente conferiu à União.
Alíneas b e c do inciso II e b do III do art. 4º
"Art. 4º Para os efeitos desta Lei, conceituam-se:
(...)
II - Pequena Propriedade -- o imóvel rural:
a) (...)
b) explorado direta e pessoalmente pelo agricultor e sua família, admitida a
ajuda eventual de terceiros, nas épocas de pico de demanda de mão-de-obra;
c) que garanta a absorção de toda a mão-de-obra ativa do conjunto familiar,
assegurando, ainda, a sua subsistência e o progresso social e econômico;
III - (...)
a) (...)
b) explorado, econômica e racionalmente, pelo agricultor e sua família, admitida
a ajuda permanente de terceiros."
Razões do veto
O art. 185, I e lI, da Constituição Federal remeteu à lei a definição de pequena
e média propriedade rural sem distinguir as pertencentes a pessoas físicas
daquelas sob o domínio de pessoas jurídicas.
No caso da pequena propriedade, a alínea a do inciso II do art. 4º do projeto
traz a definição necessária - aquela compreendida entre um e quatro módulos
fiscais. Isso é quanto basta. Entretanto, a alínea b do mesmo dispositivo exige
que, para ser pequena, deve essa propriedade ser "explorada direta e
pessoalmente velo agricultor e sua família, admitida a ajuda eventual de
terceiros, nas épocas de pico de demanda de mão-de-obra". Com isso ficam
excluídas as pessoas jurídicas que, não sendo entes físicos, não podem explorar
imóveis pessoalmente e tampouco com a sua família.
Foi, no mesmo diapasão, incluída a alínea c do art. 4º, II, que exige ainda a
"absorção de toda a mão-de-obra ativa do conjunto familiar, assegurando, ainda,
a sua subsistência e o progresso social e econômico". Aqui, além de dirigida
para a pessoa física, a definição exige que a propriedade seja produtiva para
ser pequena e que haja progresso econômico e social, pouco importando qual o
número de pessoas que compõem o conjunto familiar. Por essa forma, se a
propriedade medir entre um e quatro módulos fiscais, mas for insuficiente para
garantir o progresso econômico e social de uma família numerosa, ela não mais
será pequena.
A definição da média propriedade também é equivocada e traz os mesmos vícios
daquela referente à pequena, pois a alínea b do inciso III do art. 4º exige que
a média propriedade (de área superior a quatro e até quinze módulos fiscais)
seja "explorada, econômica e racionalmente, pelo agricultor e sua família
admitida a ajuda permanente de terceiros". Daí se infere que somente pessoas
físicas podem ter médias propriedades e que estas, além de medirem até quinze
módulos, devem ser produtivas - exploradas econômica e racionalmente - para não
ficarem sujeitas à desapropriação de que trata o art. 184 da Constituição.
Os dispositivos em comento não se coadunam com o inciso I do art. 185 da Lei
Maior, inclusive quando distinguem entre pessoas físicas e jurídicas onde ela
não distinguiu.
Aliás, as definições em foco também discriminam a propriedade em condomínio, por
cooperativas e associações e mista, contrariando o art. 16, parte final, do
projeto, além do arrendamento e a parceria rurais e demais formas de detenção da
terra.
Se acaso permanecessem as aludidas definições de pequena e média propriedade, o
legislador estaria exigindo delas muito mais que da propriedade produtiva, pois,
além de serem produtivas, devem medir de um a quatro e de quatro a quinze
módulos fiscais e ser exploradas pessoalmente pelo proprietário e sua família,
enquanto que a produtiva, qualquer que seja a sua dimensão e forma de
exploração, estará imune à desapropriação, conforme o art. 185, lI, da CF.
Portanto, tais disposições também contrariam o interesse público.
§ 6º do art. 9º
"Art. 9º (...)
§ 6º A constatação inequívoca, nos termos e condições previstos em lei, do
emprego de trabalho escravo importará em confisco do imóvel."
Razões do veto
Conquanto norteado igualmente por nobres e justos propósitos, esse dispositivo
não encontra abrigo no texto constitucional, para o fim de confisco da
propriedade.
A liberdade e a dignidade da pessoa humana e a cidadania, os direitos humanos em
seu todo, são fundamentos da República Federativa do Brasil (arts. 1º, 3º e 4º,
CF) e devem ser preservados na forma prevista em legislação própria, cumprindo
serem punidos quantos mantenham pessoas sob trabalho escravo, conforme já prevê
a Lei Penal.
Entretanto, a Constituição não acolhe em seu corpo o confisco da propriedade, a
não ser no caso do art. 243, no tocante a glebas onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas.
A manutenção de trabalho escravo, além de configurar crime, enseja a
desapropriação do imóvel rural, pois, segundo a Constituição (art. 186, III e
IV), são condições para o cumprimento da função social da propriedade rural "a
observância das disposições que regulam as relações de trabalho" e a "exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores".
Verifica-se, assim, que o § 6º do art. 9º da propositura contraria os arts. 5º,
XXIV, e 184 da CF, que autorizam desapropriar mediante prévia e justa
indenização.
Artigo 14
"Artigo 14. O expropriado permanecerá na posse do imóvel objeto da
desapropriação até o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos da ação
de desapropriação.
Parágrafo único. Poderá o Juiz conceder medida liminar de imissão de posse do
imóvel ao expropriante, no caso de seu convencimento da urgência da medida
requerida pela União."
Razões do veto
Trata-se, induvidosamente, de matéria procedimental, que, cuidando-se de
processo judicial de desapropriação para fins de reforma agrária - como
efetivamente cuida o artigo em foco - a Lei Maior exige seja objeto de lei
complementar (CF, art. 184, § 3º).
Impõe-se, como conseqüência, o veto por inconstitucionalidade.
Artigo 15
"Artigo 15. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária os
imóveis que tenham sido adquiridos por via judicial, para pagamento de dívida do
anterior proprietário devedor, e que estejam sob o domínio temporário do credor.
Parágrafo único. Considera-se domínio temporário, para efeitos desta Lei, aquele
em que o proprietário adquiriu o imóvel para posterior venda e realização de
capital para ressarcimento de seu crédito junto ao anterior proprietário
devedor, no prazo máximo de 3 (três) anos, a contar da tradição do imóvel."
Razões do veto
Verifica-se neste artigo a vedação de desapropriação de imóvel rural não
prevista no rol das exceções admitidas na Carta, o qual tem caráter taxativo, e
não exemplificativo.
Assim, somente os imóveis rurais que cumpram a função social, os produtivos e as
pequenas e médias propriedades estão protegidos da desapropriação para fins de
reforma agrária. E defeso criar em lei ordinária exceções outras,
complementares.
Com a redação atual, o art. 15 da propositura mostra-se inconciliável com o art.
185 da Constituição Federal, por isso estou vetando-o.
Parágrafo único do art. 17
"Artigo 17. (...)
Parágrafo único. A desapropriação de imóveis rurais, em todo o território
nacional, que não atenderem à função social definida nesta Lei obedecerá a uma
ordem de prioridade, segundo o Grau de Utilização da Terra-GUT, de acordo com a
seguinte escala:
I - Imóveis com GUT entre 0% (zero por cento) e 20% (vinte por cento);
II - Imóveis com GUT superior a 20% (vinte por cento) e inferior ou igual a 40%
(quarenta por cento);
III - Imóveis com GUT superior a 40% (quarenta por cento) e inferior ou igual a
60% (sessenta por cento);
IV - Imóveis com GUT superior a 60% (sessenta por cento) e inferior ou igual a
80% (oitenta por cento)."
Razões do veto
O caput do artigo prescreve a exigência de que se proceda ao assentamento de
trabalhadores rurais em terras economicamente úteis, garantindo-lhes a
preferência pela localização na região por eles habitada. Cumpre o dispositivo,
assim, de forma inteligente, o princípio sociológico de que se assente o homem
em seu hábitat.
No entanto, o parágrafo único desse mesmo artigo desalinha-se em relação a essa
diretriz, ao se referir ao espectro territorial nacional, quando da chamada das
propriedades expropriáveis de menor utilização da terra. Relembre-se que, por
imposição do contido no caput do artigo, necessariamente essa hierarquia de
imóveis improdutivos deveria obedecer a uma escala geográfica racional, isto é,
microrregião, mesorregião, grande região.
Ora, é da natureza e da estrutura lógica da norma legal que o mandamento
estabelecido no caput do artigo não seja contrariado nos respectivos parágrafos.
Por conseguinte, no caso, a ordem vocacional das propriedades eleitas para
assentamento não pode ferir a preferência da localização na região dos
beneficiários.
Assim é que os trabalhadores rurais devem ser assentados, preferencialmente, na
propriedade expropriável mais próxima do seu lugar de atividade rurícola. Quando
inexista disponibilidade local, por certo buscar-se-á guarida nas regiões
maiores, numa escala geográfica crescente.
Ademais, a matéria do parágrafo pode ser disciplinada na regulamentação da lei,
cuja execução não se inviabiliza com a extirpação dele. A recíproca, entretanto,
provavelmente redundaria na impraticabilidade da reforma agrária.
Desse modo, o dispositivo é vetado por contrariar o interesse público.
Estas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar em parte o projeto em
causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do
Congresso Nacional.
Brasília, 25 de fevereiro de 1993.
Data da publicação para efeito de pesquisa, não substituindo a mencionada no
Diário Oficial